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Especialistas apontam caminhos para combater violĂȘncia institucional contra mulheres

 Entre as ideias apresentadas, estĂŁo tornar crime o ato ou a omissĂŁo de agentes pĂșblicos que prejudique o atendimento Ă  vĂ­tima; e capacitar operadores da Justiça


A CĂąmara dos Deputados recebeu de parlamentares e especialistas uma sĂ©rie de sugestĂ”es para combater a violĂȘncia institucional e a violĂȘncia praticada contra vulnerĂĄveis. Os temas foram debatidos nesta segunda-feira (30) em audiĂȘncia pĂșblica promovida pela Secretaria da Mulher como parte da campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da ViolĂȘncia contra a Mulher.

A 1ÂȘ Procuradora-Adjunta da Mulher, deputada Aline Gurgel (Republicanos-AP), citou, entre as propostas em debate na Casa o Projeto de Lei 5091/20, que torna crime a violĂȘncia institucional, ou seja, os atos ou a omissĂŁo de agentes pĂșblicos que prejudiquem o atendimento Ă  vĂ­tima de violĂȘncia. A pena prevista Ă© de detenção de trĂȘs meses a um ano e multa.

Maryanna Oliveira/CĂąmara dos Deputados
21 Dias de Ativismo – Debate sobre ViolĂȘncia Contra as Mulheres na Pandemia. CONAMP, Dra Gabriela Manssur
Gabriela Manssur: Ă© comum desqualificarem a vĂ­tima nas audiĂȘncias, a fim de se justificar a violĂȘncia

O texto foi apresentado pelas deputadas Soraya Santos (PL-RJ), FlĂĄvia Arruda (PL-DF) e Margarete Coelho (PP-PI) como reação Ă  conduta de agentes pĂșblicos durante o julgamento do empresĂĄrio AndrĂ© Aranha, acusado de estupro pela influenciadora digital Mariana Ferrer.

Outra proposta relacionada ao caso Ă© o PL 5096/20, da deputada LĂ­dice da Mata (PSB-BA) e outros 25 deputados de diversos partidos, que obriga o juiz a zelar pela integridade da vĂ­tima em audiĂȘncias sobre crimes contra a dignidade sexual. Pelo texto, o magistrado deverĂĄ denunciar o advogado se houver excessos.

Capacitação
A promotora de Justiça de SĂŁo Paulo Gabriela Manssur, criadora do projeto “Justiça de Saia”, disse que muitas vezes se percebe a tentativa de desqualificar a vĂ­tima nas audiĂȘncias, justificar a violĂȘncia sofrida e culpar a mulher. Ela acrescentou que a violĂȘncia institucional ocorre quando a mulher procura a Justiça e enfrenta obstĂĄculos – seja por omissĂŁo, ação, imperĂ­cia ou demora – e sofre lesĂŁo de seus direitos.

Manssur destacou que o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) jĂĄ reconhece a necessidade de capacitação de todos os operadores de Direito que atuam nas varas especializadas de violĂȘncia contra a mulher. Segundo a promotora, a capacitação tambĂ©m tem de ocorrer nas promotorias e nas delegacias.

“Seria importante ainda ter uma lei especĂ­fica prevendo indenização nos casos de violĂȘncia institucional de gĂȘnero, jĂĄ tipificando e conceituando o que Ă© essa prĂĄtica”, afirmou. “E um outro ponto Ă© a necessidade de responsabilização de quem comete essa violĂȘncia”, completou.

Maryanna Oliveira/CĂąmara dos Deputados
21 Dias de Ativismo – Debate sobre ViolĂȘncia Contra as Mulheres na Pandemia. Professor Doutor Da Usp E Diretor-Presidente Da Associação De Pesquisa Em InteligĂȘncia Artificial E Direito, Dr Juliano MaranhĂŁo
Juliano MaranhĂŁo: estereĂłtipos de gĂȘnero podem influenciar no resultado dos julgamentos

Conforme a promotora, a violĂȘncia institucional de gĂȘnero acaba calando e afastando outras mulheres da Justiça, que ficam com medo de denunciar.

Inversão de papéis
Autora do livro “Estupro - Crime ou Cortesia?”, a jurista e pesquisadora Silvia Pimentel salientou que estereĂłtipos, preconceitos e discriminação de gĂȘnero sĂŁo absorvidos pelos operadores de Direitos e reproduzidos na prĂĄtica jurĂ­dica, provocando inversĂŁo de papĂ©is, fazendo com que vĂ­timas se transformem em rĂ©s e vice-versa.

O professor da Universidade de SĂŁo Paulo (USP) Juliano MaranhĂŁo citou decisĂŁo de 2018 do Tribunal de Justiça de SĂŁo Paulo em que trĂȘs indivĂ­duos que molestaram uma menina de 11 anos foram absolvidos, sob a alegação de que a garota era insinuante. O docente realiza estudo sobre estereĂłtipos de gĂȘnero em processos de violĂȘncia sexual e sua correlação com os resultados dos julgamentos. Presidente da Associação de Pesquisa em InteligĂȘncia Artificial e Direito, MaranhĂŁo informou que a ideia Ă© desenvolver ferramenta de inteligĂȘncia artificial que possibilite essa identificação.

Representantividade
A promotora Gabriela Manssur tambĂ©m chamou atenção para a falta de representatividade da mulher no sistema de Justiça e questionou se isso nĂŁo ajuda a gerar a violĂȘncia institucional de gĂȘnero. Ela ressaltou a importĂąncia da representatividade feminina nas audiĂȘncias sobre violĂȘncia e crimes sexuais contra a mulher.

A juíza Luciana Tavares, da Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco, disse que o sistema de Justiça não é plural como deveria ser e chamou a atenção para o racismo estrutural e institucional no Judiciårio. Ela citou dados do IBGE mostrando que 56% da população brasileira são de negros ou pardos, mas destacou que apenas 18% dos magistrados se autodeclaram dessa forma, sendo que, destes, menos de 2% são negros e os demais são pardos.

ViolĂȘncia contra vulnerĂĄveis
JĂĄ a consultora em InclusĂŁo de Pessoas com DeficiĂȘncia Leandra Certeza mencionou dados da Organização Mundial da SaĂșde (OMS) revelando que as pessoas com deficiĂȘncia sĂŁo 1,5 vez mais propensas a serem vĂ­timas de violĂȘncia, e as mulheres com deficiĂȘncia correm o risco trĂȘs vezes maior de sofrer estupros.

“Durante a pandemia, os casos de violĂȘncia, principalmente sexual, se agravaram. Por ficarem em casa cuidando muitas vezes de filhos e atĂ© de seus maridos, as mulheres com deficiĂȘncia nĂŁo conseguiram sair de casa para fazer denĂșncias nas delegacias, locais que pecam tambĂ©m pela falta de acessibilidade”, acrescentou.

Maryanna Oliveira/CĂąmara dos Deputados
21 Dias de Ativismo – Debate sobre ViolĂȘncia Contra as Mulheres na Pandemia. Consultoria em InclusĂŁo de Pessoas com DeficiĂȘncia, Leandra Migotto Certeza
Leandra Certeza: pessoas com deficiĂȘncia sĂŁo mais propensas a serem vĂ­timas de violĂȘncia

Ela citou ainda dados do Disque 100 e do Ligue 180, segundo os quais as denĂșncias de violação contra as mulheres com deficiĂȘncia saltaram 18% em 2020, passando de 9.778 no ano passado para 11.513 casos. “Os casos de estupro coletivo foram 12,12% maior contra mulheres com deficiĂȘncia”, completou.

Especialista em RelaçÔes Étnico Raciais; GĂȘnero e em Segurança PĂșblica no Sistema Prisional, Deise Benedito ressaltou que as primeiras mulheres violentadas no PaĂ­s foram as indĂ­genas e, em seguida, a população negra foi alvo de violĂȘncias diversas nos mais de 300 anos de escravização. Ela destacou que o perĂ­odo pĂłs-abolição nĂŁo garantiu direitos e reparação Ă  população negra, e ainda hoje 38 milhĂ”es de negros e negras vivem sem direitos garantidos em 63 mil favelas, sendo os alvos primordiais da violĂȘncia perpetuada pelos agentes de segurança pĂșblica.

Redes de proteção
Membro do ComitĂȘ Nacional de Enfrentamento Ă  ViolĂȘncia Sexual contra Crianças e Adolescentes, Humberto Miranda disse que a rede de proteção Ă s populaçÔes mais vulnerĂĄveis, incluindo os conselhos tutelares, ficou mais frĂĄgil durante a pandemia. Ele salientou a importĂąncia de se fortalecer esses conselhos para garantir a assistĂȘncia a crianças e adolescentes que vivenciam violĂȘncias. “É necessĂĄrio cuidar de quem cuida.”

A deputada Erika Kokay (PT-DF) concorda que Ă© preciso fortalecer as redes de proteção, promovendo, por exemplo, mais capacitação dos agentes pĂșblicos, incluindo conselheiros tutelares. Ela destacou ainda a dificuldade de punição quando hĂĄ poderes econĂŽmicos e polĂ­ticos envolvidos. “A impunidade fragiliza o estado democrĂĄtico de direito, que faz com que as pessoas acreditem que denunciar nĂŁo tem efeito”, concluiu.


Fonte: AgĂȘncia CĂąmara de NotĂ­cias


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